De todas as modalidades que conduzem o homem ao conhecimento do mundo físico e de si próprio, a intuição é aquela através da qual, de maneira súbita e intensa, ocorre como que uma interpenetração entre o cognoscente e o cognoscível no próprio ato de conhecer, e isso de tal modo que é revelada uma dimensão estruturante da realidade e que serve como base para outras camadas mais superficiais da mesma, refiro-me ao âmbito dos primeiros princípios. Em outras palavras, e tendo como referência a filosofia Bergsoniana, intuir é aproximar-se de um objeto de maneira imediata, sem as mediações da linguagem e dos conceitos científicos e filosóficos, os quais já carregam em si uma alta dose de historicidade e, portanto, de significados sedimentados ao longo do tempo. É também imediato porque ao invés de tangenciar apenas os aspectos acidentais de um objeto, atinge o âmago ou a substância mesma da coisa.
Os princípios primeiros são realidades, expressas através da linguagem, que sustentam e financiam todo o empreendimento filosófico. Não são conhecidos a posteriori, ou seja, derivados da experiência, nem são produtos de um silogismo racional, posto que servem como base para o uso correto e seguro da razão. Em filosofia, exemplos desses princípios primeiros os encontramos em Aristóteles (princípio de não contradição), em Kant (a ideia de causalidade) entre outros.. E até mesmo em empiristas como David Hume que, ao creditar que todo o conhecimento é derivado da experiência, não concedendo nenhuma possibilidade para o conhecimento a priori, enuncia o seu próprio apriorismo: o de que todo o conhecimento surge somente através da experiência.
Mas qual seria a relação entre o conhecimento destes primeiros princípios e a espiritualidade? E quanto ao método? Como adentrar nessa tão vital dimensão, para utilizar um enunciado Bergsoniano.
Para o filósofo Francês, os seus antecessores perderam de vista o elemento principal da realidade, que a sustenta e define: o movimento. Movimento significa transformação, mudança, realização da coisas em si mesmas, de sua naturezas intrínsecas. O movimento é, portanto, o fluxo ininterrupto e não sujeito a apreensão mediante a linguagem, podendo ser apreendido de maneira imediata somente através da intuição da duração. Apreendido não seria bem o termo preciso, talvez experimentado.
A experiência da duração interior em Bergson possibilita o conhecimento do movimento enquanto tal, já que, segundo o filósofo, a razão analítica opera de tal modo que acaba dividindo e espacializando esse fluxo vital em posições mensuráveis e justapostas no espaço. É como se o uso da razão, mediante seus métodos e conceitos, promovesse uma cristalização do real, uma fotografia de momentos específicos com vistas ao exercício de atividades humanas práticas, sobretudo as científicas. Entretanto, a mudança em si mesma, sua natureza, não seriam apreendidas. A ideia principal aqui é a de que a razão sempre opera abstraindo certos aspectos da realidade, como as posições que se sucedem em um dado fenômeno, mas sem conseguir conceber o movimento como realmente é: como um fluxo, não estático, não apreeendido através de posições que se sucedem no tempo, visto que, por ser fluxo, suas posições se interconectam em uma espécie de "corrente de rio".
A esse estado de "corrente de rio", Bergson denominou Duração. É o lugar onde a natureza das coisas se menifesta de maneira direta ao espírito, onde o movimento é experimentado como um fluxo, e portando, em sua real dimensão.
A proposta bergoniana de interioridade radical para a apreesão dos primeiros princípios conflui muito com as ideias clássicas que temos sobre a espiritualidade e os meios que utilizamos para vivencia-la. Um espiritualista mesmo, seja de que religião for, e que já atingiu um certo nível de maturidade espiritual, sente (e não somente sabe), que a realidade é estruturada mediante certos fundamentos e princípios básicos e que, com efeito, o desenvolvimento do espírito guarda relação ou é dependente da vivência desses postulados, sejam eles epistêmicos, éticos ou estéticos.
Toda a vida espiritual, nossos desejos, instintos, volições, devem ser orientados por essa realidade última, ou primeira, pois é nela que encontramos os elementos básicos que irão fazer como que nossa alma se revele no que tem de melhor, que se realize, e que, utilizando uma metáfora bem apropriada, floresça. Entrar em sintonia com a vida, viver de acordo com seus propósitos mais elevados é entrar no movimento da vida, no que ele tem de mais sublime e sagrado. Entrar nesse movimento, segundo as grandes tradições espirituais, é realizar-se plenamente, e realizando-se, participar do grande movimento que comunga a todos, os que florescem e os que não querem por ora florescer. Sair da apreensão estática da razão por alguns períodos e experimentar a si mesmo e ao mundo de maneira radical, sentindo a nós mesmos e as coisas que nos rodeiam como se fossem realidades completamente novas, sem a carga valorativa dos conceitos já elaborados por outras pessoas, traz em si dois aspectos que são indissociáveis: a profunda felicidade da descoberta e a inadiável vivência da disciplina espiritual, que garantem o florescer humano.
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