segunda-feira, 12 de dezembro de 2016

A energia espiritual - Bergson


“Os filósofos que especularam sobre o significado da vida e sobre o destino do homem não observaram bem que a própria natureza se deu ao trabalho de informar-nos sobre isso: avisa-nos por meio de um sinal preciso que nossa destinação foi alcançada. Esse sinal é a alegria. Estou falando da alegria, não do prazer. O prazer não passa de um artifício imaginado pela natureza para obter do ser vivo a conservação da vida; não indica a direção em que a vida é lançada. Mas a alegria sempre anuncia que a vida venceu, que ganhou terreno, que conquistou uma vitória: toda grande alegria tem um toque triunfal. Ora, se levarmos em conta essa indicação e seguirmos essa nova linha de fatos, veremos que em toda parte há alegria, há criação: quanto mais rica é a criação, mais profunda é a alegria. A mãe que contempla seu filho alegra-se, porque tem consciência de havê-lo criado, física e moralmente. Acaso o comerciante que desenvolve seus negócios, o fabricante que vê sua indústria prosperar, alegra-se por causa do dinheiro que ganha e da notoriedade que adquire? Evidentemente riqueza e consideração contam muito na satisfação que sente, porém lhe trazem mais prazeres do que alegria; a alegria verdadeira que ele desfruta é ter montado uma empresa que funciona, de ter dado a vida a algo. Pensem na alegrias excepcionais, a do artista que realizou seu pensamento, a do cientista que descobriu ou inventou. Ouvirão dizer que esses homens trabalham pela glória e obtêm suas alegrias mais vivas da admiração que inspiram. Profundo erro! O homem dá importância aos elogios e as honrarias na exata medida em que não está seguro de ter obtido êxito. No fundo da vaidade há modéstia. É para tranquilizar-se que ele busca aprovação, e é para sustentar a vitalidade talvez insuficiente de sua obra que gostaria de cercá-la de calorosa admiração dos homens, como se coloca em estufa uma criança nascida prematuramente. Mas quem estiver seguro, absolutamente seguro de que produziu uma obra viável e duradoura, esse não tem mais o que fazer do elogio e sente-se acima da glória, porque é criador, porque sabe disso e porque a alegria que sente é uma alegria divina. Portanto, se em todos os âmbitos o triunfo da vida é criação, não devemos supor que a vida humana tem sua razão de ser em uma criação que, diferentemente daquela do artista e do cientista, pode prosseguir a todo  momento em todos os homens: a criação de si por si, o engrandecimento da personalidade por um esforço que extrai muito do pouco, alguma coisa do nada e aumenta incessantemente a riqueza que havia no mundo?”


Autor: Henri Bergson (1859-1941)
Livro: A energia espiritual, cap: 2; pag, 22

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