segunda-feira, 17 de outubro de 2016

Metafísica aristotélica- o princípio de não-contradição

        Aristóteles assevera que há uma ciência que, distintamente das ciências particulares, investiga o ente enquanto ente, ou seja, investiga as propriedades  que fazem com que uma substância seja o que é. Enquanto as ciências particulares como a matemática e a física já partem de axiomas universais, tomados a priori, a ciência do Ser, ou ciência buscada de Aristóteles, investiga quais seriam esses princípios primeiros, estando amparada em um caminho epistemológico que começa com as sensações, passa pela memória, através da qual se adquire o conhecimento em sentido fraco, e tem seu ponto alto com a ciência, quando as causas e explicações, caracterizadas pelo máximo grau de generalização, são conhecidas, ou, dito de outra maneira, quando os universais contidos nos particulares se revelam ao sábio.
      Compete ao filósofo, portanto, e não aos estudiosos da natureza, estabelecer os princípios fundamentais sobre os quais a ciência do Ser deve se fundamentar. O estagirita chega ao conhecimento daquele que é o primeiro princípio, o mais firme de todos, o princípio de não contradição, pelo qual é impossível que um mesmo atributo pertença e não pertença a um mesmo subjacente ao mesmo tempo e sob o mesmo aspecto. Segundo o filósofo, portanto, é impossível que os contrários pertençam a mesma coisa  ao mesmo tempo, de modo que sobre esse princípio é impossível se enganar, visto que as pessoas se enganam sobre aquilo que desconhecem, e ademais, esse princípio está fundamentado na própria estrutura da realidade, de maneira que ele não se qualifica como uma mera hipótese.
        Sendo o princípio de não contradição  o mais conhecido, sobre o qual é impossível se enganar e necessário, cabe a Aristóteles a defesa do mesmo, conforme o faz no capítulo 4 da metafísica, utilizando a prova por retorsão. Aqui cabe uma pequena distinção feita pelo filósofo sobre a demonstração e a demonstração refutativa. Segundo assevera, ao demonstrar, o interlocutor já postula o princípio a ser defendido, enquanto que em uma prova por refutação, não haveria demonstração nesse sentido considerada. Segundo Lear, a estratégia que Aristóteles adota não é a de convencer alguma pessoa que não acredita no princípio de não contradição, e sim mostrar que mesmo negando o princípio ou não acreditando nele, dele se utiliza, de maneira necessária, quando busca compreender a realidade.
        O estagirita não pretende exigir que o seu adversário afirme que algo é ou não é, mas exige que o interlocutor apenas queira dizer algo com sentido para si mesmo e para outrem.O responsável pela demonstração é o próprio adversário que, ao afirmar que o princípio de não contradição não existe, postula uma declaração com sentido e, portanto, acaba por demonstrar o princípio. Algo não pode ser e não -ser ao mesmo tempo e sob o mesmo aspecto, conforme sustenta o princípio. Portanto, se o princípio de não contradição é falso, tem um significado, e não é verdadeiro ao mesmo tempo e sob o mesmo aspecto. Logo, ao recusar o princípio, postulando uma declaração, o adversário acaba ele mesmo por demonstrar, por refutação, o princípio.
       Mesmo que não acredite no princípio, ao enunciar algo com pretensão de verdade, o interlocutor acaba por acionar o mesmo. O princípio de não contradição tem, deste modo, uma forma ontológica, ou seja, está inscrito na própria estrutura do real;e uma forma psicológica, conforme referido, já que se algo existe na estrutura da realidade, é impossível conceber a realidade sem fazer referência a este algo.  É impossível conceber que um atributo pertença e não pertença ao mesmo tempo e sob o mesmo aspecto a um ente. O branco e o não branco não coexistem ao mesmo tempo e sob o mesmo aspecto em um mesmo subjacente, o quente e o não quente, o ser e o não ser, e assim por diante. O princípio de não contradição é o mais incontestável, portanto, e fundamento para a ciência do Ser na medida em que, segundo Lear, a própria possibilidade da ação, do pensamento e de uma atitude discursiva dependem da adesão, ainda que inconsciente, à sua verdade.
  
        Referências:
 
 ARISTÓTELES. Metafísica gamma, capítulo 3-4, Tradução Lucas Angioni (não sei o ano, hehe).
 
 LEAR, Jonathan. Aristóteles: O desejo de entender, 2008.

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