sexta-feira, 23 de fevereiro de 2024

Sobre a integridade



 A reflexão de hoje pretende ser mais breve, direta e simples. Ela diz respeito, de modo geral, ao homem, e de maneira mais específica, a possibilidade  que ele desfruta de viver em harmonia e atualidade com seus recursos espirituais.
O que caracteriza um ser humano íntegro? Ora, se pensarmos que há um processo de desenvolvimento espiritual inexorável e que de vários modos não tomamos posse dos recursos atinentes a esse processo, poderíamos concluir que estamos em um contínuo processo de acabamento, de via-a-ser. Admitindo a realidade desse árduo e trabalhoso processo, redarguiríamos: e  quando o ser humano opta por sair dessa tarefa virtuosa? o que ocorre quando nega os valores e princípios que são a meta e o telos de sua jornada espiritual?
Estamos pressupondo aqui, com base nos aspectos mais empíricos da psicologia Junguiana, a existência de um self, um núcleo central da psique que é responsável e que coordena todo esse processo de desenvolvimento. Mas, de modo terminante, devemos reconhecer também que o que potencializa o "florescimento" desse núcleo, além das experiências da vida diversas a que o homem se defronta constantemente,  é a vivência de certos valores universais, que representam uma espécie de catalizador de seus recursos mais íntimos.
 Entretanto, há uma realidade que se opõe a essa vivência virtuosa, a esse processo de interiorização tão necessário ao si mesmo. Muitas vezes a realidade humana exterior, que deveria possibilitar a vivência do si e do nós, torna-se um elemento que acaba por sustar esse processo de integração e individuação primariamente psíquico.
Nas fontes da alma, a espiritualidade genuína. Nesse mergulho intimista e espiritual, os valores mais nobres da criatura humana: os padrões adequados de conduta, os sentimentos mais elevados, sem os resquícios do interesse e do cálculo, a sede do belo, da verdade e da justiça. Nesse templo interior, todos os templos humanos deveriam buscar o espelhamento. E a essa beleza inefável, não estamos nos referindo ao homem em sua acepção atual, o  qual busca as identidades sociais como forma de compensar um marcado vazio interior. Tal homem não se deixa apanhar pelo conceito e pela abstração, pois sua realidade não é apreendida em um exercício de pensamento, pode no máximo ser intuída em uma observação mais atenta da existência. Também não pode ser descoberto nas identificações ligeiras, que simplificam em demasia a sua complexidade e envergadura.
Nessa descoberta de si para si, no momento mais subjetivo desse processo, não temos a rigor um "para si". Estamos diante de Deus! Reconhecendo as nossas misérias mas também tomando ciência de nossas reais possibilidades. Essa construção subjetiva agora envolve um nós: o eu transparece a vontade do Criador desse eu.
Iniciou-se o processo de edificação espiritual, de reforma íntima. A esse momento interior e profundo, em que o otimismo existencial sobrevém, sucede-se um segundo, estamos falando de um ponto de vista lógico e não temporal, que é o do contato com a realidade exterior. Nela, algum desencanto. Não que o mundo não seja um lugar belo, atravessado pelas verdades eternas. O que ocorre é que muitas vezes as realidades humanas construídas não refletem ou não são capazes de estruturarem-se tendo em vista esses elevados padrões que a própria alma em sua intimidade reconhece. Daí a astúcia em detrimento da inteligência; o interesse escuso em detrimento da justiça; a objetificação das pessoas em detrimento do amor. 
E qual seria o dever da alma que, consciente de suas misérias e insuficiências, iniciou esse trabalho espiritual em si mesma, face a esse problemático e disfuncional quadro social humano? A resposta muitas vezes nem precisa ser pensada, pois nesse caso reverbera em todo o ser espiritual, é como um rio que não admite mais um espaço contrito. Ressoando essa resposta em todas as fibras de alma, poderia ser apreendida conceitualmente como um: seja si mesmo! não se deixe corromper!
Diante da injustiça, fale e se pronuncie em nome da justiça. Diante de uma falsidade flagrante e que prejudique a muitos, imponha-se através da verdade edificante. Perante as facilidade humanas, dos prestígios, dos cargos, pense sempre nos elevados valores que já descobriu em si e relativize  tudo que possa ser um fator que o afaste dessa vivência espiritual legítima. Todos estamos nesse mundo para trabalharmos para o Senhor que nos deu essa vida, estejamos conscientes disso ou não. Nada no mundo pode ser comparado à possibilidade de edificação espiritual, assim como nenhum cargo ou título de cariz transitório  pode satisfazer mais a alma do que ser íntegro, tornando-se assim, de modo imediato e sem restrição, um humílimo servidor de Jesus.

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