sábado, 6 de agosto de 2016

Sobre a tolerância




Em um primeiro momento, essa palavra pode causar uma certa aversão às pessoas de consciência reta, pois ao longo do tempo foi ganhando uma conotação  de "aguentar" o outro em sua diferença física e consciencial; entretanto, mais do que nunca, a tolerância, em seu sentido profundo, é, e será, um valor muito importante para o estabelecimento de relações harmônicas entre as pessoas.
A tolerância pode ser entendida como um exercício espiritual dos mais importantes: buscar compreender as razões e os valores do outro, sem ter a necessidade de incorporar esses mesmos valores ao seu próprio modo de ser e de enxergar a vida é, no meu modo de entender, uma definição satisfatória para essa "prática".
A liberdade de consciência que ao longo dos séculos foi se construindo no ocidente é algo admirável e deve ser preservada de qualquer tipo de imposição autoritária, seja ela ideológica, seja ela religiosa. Em um ambiente saudável, onde circulam as boas ideias, divergentes, e que fomentam um debate intelectual maduro, chega-se a soluções moderadas e com um maior grau de razoabilidade do que em ambientes sociais onde há cerceamento e coação intelectual. Muitas vezes encontramos esses ambientes obscuros nas escolas, faculdades e até mesmo nos espaços dedicados aos estudos religiosos. Tudo isso deriva da não aceitação do outro, de sua livre consciência e de sua capacidade cognoscitiva própria que, de maneira igualmente singular, faculta diversos entendimentos sobre a realidade. Talvez a pretensão de esgotar a realidade a partir de uma ou duas visões correntes, os interesses políticos e os interesses pela manutenção de hierarquias de poder podem contribuir para que essa atitude de não reconhecimento da autonomia do outro- e aqui estou me referindo a autonomia intelectual que é, de todas as possíveis, a mais profunda, pois tem a capacidade de revelar o Ser- seja levada a termo com frequência.
O ser tolerante não é um falar sobre tolerância. Em um nível puramente mental qualquer um de nós é capaz de fornecer um entendimento razoável sobre a tolerância enquanto conceito; contudo, vivê-la de uma maneira profunda implica um grande desafio, que no fim das contas, consiste em respeitar a consciência do próximo, um dos princípios basilares do Evangelho de Jesus.
Jesus exemplificou a tolerância em seu tempo andando com pessoas das mais diversas: desde as que eram consideradas de má vida, até aquelas outras que desfrutavam do respeito de seus pares, geralmente por estarem bem posicionadas na hierarquia social. Em íntima ligação com Deus e, portanto, conhecedor de toda a verdade, não julgou a quem quer que fosse, apenas acolheu integralmente a todos. Não consentindo com os erros, mas permanecendo compreensivo diante das fraquezas humanas, deixou à posteridade um legado de respeito pela dignidade humana e de encorajamento para o enfrentamento dos árduos trabalhos espirituais futuros. O exemplo de Jesus revela uma maneira (que é o nosso fim) de enxergar a realidade: reconhecer  o direito do outro de ter as suas próprias experiências, e de formar, deste modo, sua própria consciência. Disso não se segue que um cristão tenha necessariamente que adotar uma atitude relativista, ou que tenha que viver o mundo com valores estranhos aos seus, mas que tenha uma postura fundamentada no respeito à dignidade, conforme referiu-se, e no livre arbítrio, que é um dos valores fundantes da nossa civilização. Claro, quando a nossa pretensa "liberdade" não desrespeite a liberdade dos outros e mesmo a dignidade e sacralidade da vida humana, que vem sendo bastante atacada nos dias de hoje por ideologias que carregam um materialismo destrutivo.
Por fim, talvez a profunda amorosidade de Jesus, com as pessoas que lhe vinham de todas as partes, se devesse pela maneira como  enxergava as pessoas para além da forma com que se apresentavam a ele. O véu da nossa precária condição atual esconde a nossa sacralidade intrínseca, o nosso pertencimento a uma ordem transcendental, a uma irmandade que foi planejada por Deus desde a criação, e que Jesus tinha acesso devido a sua alta condição espiritual. A palavra tolerância vem sendo ventilada nos dias atuais por indivíduos notadamente intolerantes. A tolerância não é um arrazoado bonito que esteja disposto em páginas livrescas, mas é uma atitude existencial que tem o dom de acalmar e iluminar os ambientes onde os valores são enunciados mas não são vividos, e que são facilmente percebidos pelas pessoas que estejam dispostas a vivê-los. Ver o outro em sua realidade profunda, como Jesus enxergava, é a única maneira de vivermos em um mundo tão pluralista sob todos os aspectos, dando aos outros o direito de ser como lhes apraz e a nós buscando ser como devemos, cada vez mais cristãos, conforme enunciou certa vez Chico Xavier.

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