sexta-feira, 26 de agosto de 2016

A experiência da vida e os valores intrínsecos e perenes









"Tudo passa e tudo se renova na terra, mas o que vem do céu permanecerá." Chico Xavier







De maneira geral, a relação entre esses termos não aparece de maneira sistemática no espiritismo, ou seja, não há uma preocupação em apresentar essas noções, bem como a interdependência entre elas, a partir de uma teorização sistemática. Por serem noções muito complexas, a preocupação central de Allan Kardec e dos espíritos que trabalharam na codificação é apresentar as ideias de maneira mais livre possível; pois se o pensamento sistemático e o conceito fechado tem o mérito de tornar o mundo cognoscível, não raro, o seu abuso pode favorecer simplificações e, portanto, não  captar as contradições e os movimentos da realidade. A casa da palavra, embora seja o veículo  por excelência da  comunicação entre os homens, pode se tornar um óbice para o entendimento da realidade, sobretudo daquelas realidades que podem ser experimentadas e compreendidas de maneira radical através de uma vivência espiritual.
É no mundo ordinário, em nossa vida de relação, que experimentamos um conjunto multifacetado de experiências, cada qual compreendendo um valor intrínseco distinto, que por sua vez, aciona ou atualiza potencialidades da alma igualmente distintas. Os sofrimentos no mundo, embora não devam ser procurados voluntariamente pelos homens, mas antes evitados, podem cumprir um importante papel, por exemplo, na sensibilização humana, na apreensão de valores como a justiça, o bem e o amor, que, em um contexto experiencial de carência, podem ser revalorizados. Ao passar por essas experiências, a consciência superficial ou egoica, não raro, não possui as ferramentas necessárias para divisar e aprender as lições importantes que se escondem por detrás de toda a experiência dolorosa. Muitos de nós já experimentamos o desamor, a injustiça e a incompreensão. E  é justamente essas misérias que nos tornam mais cônscios, mas sobretudo mais sensíveis (e isso é fundamental) sobre a necessidade de incorporarmos o amor,a justiça e a compreensão à nossa própria conduta. Alguma coisa fica desalinhada em uma relação que não tem como base esses valores essenciais, e é pela falta deles que o sofrimento se desenvolve. O sofrimento se apresenta, portanto, quando a realidade desaparece ou fenece. De algum modo, a natureza encontrou meios de dizer para o homem que a não observância de valores essenciais provoca a dor, a contrariedade e o desconcerto. Se não há nenhuma base sólida que justifique a aceitação de valores morais fundamentais, se não há de fato uma objetividade para os valores, porque a sua não observância  impacta- de maneira objetiva-  a realidade dos homens?
Se o valor intrínseco à experiência é aprendido e sentido, algo em nós não continua como antes: há um movimento em nossa alma que nos leva a tomar posse dessa nova aquisição. O mundo ganha novos contornos, nossas lentes se ampliam e nossas relações passam a ter as cores do que  existe de eterno no mundo e que, por experimentação, acaba por se eternizar em nós.
O perene está presente na transitoriedade experiencial, não como um prazer que flui ou um sentido que se aguça, mas como uma lição que se sobrepõe a fugacidade das coisas experimentadas. Somente um valor, de fato, é capaz de fazer o espírito se expandir e sair de sua temporária condição de ignorância, atualizar as sua potencialidades e, com isso, conquistar o quinhão de que todos somos herdeiros. E essa herança divina fala  não tanto do prazer que se esgota na fugacidade do imediato, mas de uma felicidade encontrada na possibilidade de ser pleno a partir da descoberta e vivência dos valores permanentes, conforme elucidou o nobre Chico Xavier,

quarta-feira, 17 de agosto de 2016

Cuidar do corpo e do espírito- O evangelho segundo o espiritismo



Essa postagem é a transcrição de uma mensagem do capitulo XVII  de O evangelho segundo o espiritismo, intitulada "Cuidar do corpo e do espírito".

Consistirá na maceração do corpo a perfeição moral? Para resolver essa questão, apoiar-me-ei em princípios elementares e começarei por demonstrar a necessidade de cuidar-se do corpo que, segundo as alternativas de saúde e de enfermidade, influi de maneira muito importante sobre a alma, que cumpre se considere cativa da carne. Para que essa prisioneira viva, se expanda e chegue mesmo a conceber as ilusões da liberdade, tem o corpo de estar são, disposto, forte. Façamos uma comparação: Eis se acham ambos em perfeito estado; que devem fazer para manter o equilíbrio entre as suas aptidões e as suas necessidades tão diferentes? Inevitável parece a luta entre os dois e difícil achar-se o segredo de como chegarem a equilíbrio.
Dois sistemas se defrontam: o dos ascetas, que tem por base o aniquilamento do corpo, e o dos materialistas, que se baseia no rebaixamento da alma. Duas violências quase tão insensatas uma quanto a outra. Ao lado desses dois grandes partidos, formiga a numerosa tribo dos indiferentes que, sem convicção e sem paixão, são mornos no amar e econômicos no gozar. Onde, então, a sabedoria? Onde, então, a ciência de viver? em parte alguma; e o grande problema ficaria sem solução, se o espiritismo não viesse em auxílio dos pesquisadores, demonstrando-lhes as relações que existem entre o corpo e a alma e dizendo-lhes que, por se acharem em dependência mútua, importa cuidar de ambos... Sereis, porventura, mais perfeitos se, martirizando o corpo, não vos tornardes menos egoístas, nem menos orgulhosos e mais caritativos para com o vosso próximo: Não, a perfeição não está nisso: está toda nas reformas por que fizerdes passar o vosso espírito. Dobrai-o, submetei-o, humilhai-o, mortificai-o: esse o meio de o tornardes dócil à vontade de Deus e o único de alcançardes a perfeição (Espírito protetor, Paris, 1863).

sábado, 6 de agosto de 2016

Sobre a tolerância




Em um primeiro momento, essa palavra pode causar uma certa aversão às pessoas de consciência reta, pois ao longo do tempo foi ganhando uma conotação  de "aguentar" o outro em sua diferença física e consciencial; entretanto, mais do que nunca, a tolerância, em seu sentido profundo, é, e será, um valor muito importante para o estabelecimento de relações harmônicas entre as pessoas.
A tolerância pode ser entendida como um exercício espiritual dos mais importantes: buscar compreender as razões e os valores do outro, sem ter a necessidade de incorporar esses mesmos valores ao seu próprio modo de ser e de enxergar a vida é, no meu modo de entender, uma definição satisfatória para essa "prática".
A liberdade de consciência que ao longo dos séculos foi se construindo no ocidente é algo admirável e deve ser preservada de qualquer tipo de imposição autoritária, seja ela ideológica, seja ela religiosa. Em um ambiente saudável, onde circulam as boas ideias, divergentes, e que fomentam um debate intelectual maduro, chega-se a soluções moderadas e com um maior grau de razoabilidade do que em ambientes sociais onde há cerceamento e coação intelectual. Muitas vezes encontramos esses ambientes obscuros nas escolas, faculdades e até mesmo nos espaços dedicados aos estudos religiosos. Tudo isso deriva da não aceitação do outro, de sua livre consciência e de sua capacidade cognoscitiva própria que, de maneira igualmente singular, faculta diversos entendimentos sobre a realidade. Talvez a pretensão de esgotar a realidade a partir de uma ou duas visões correntes, os interesses políticos e os interesses pela manutenção de hierarquias de poder podem contribuir para que essa atitude de não reconhecimento da autonomia do outro- e aqui estou me referindo a autonomia intelectual que é, de todas as possíveis, a mais profunda, pois tem a capacidade de revelar o Ser- seja levada a termo com frequência.
O ser tolerante não é um falar sobre tolerância. Em um nível puramente mental qualquer um de nós é capaz de fornecer um entendimento razoável sobre a tolerância enquanto conceito; contudo, vivê-la de uma maneira profunda implica um grande desafio, que no fim das contas, consiste em respeitar a consciência do próximo, um dos princípios basilares do Evangelho de Jesus.
Jesus exemplificou a tolerância em seu tempo andando com pessoas das mais diversas: desde as que eram consideradas de má vida, até aquelas outras que desfrutavam do respeito de seus pares, geralmente por estarem bem posicionadas na hierarquia social. Em íntima ligação com Deus e, portanto, conhecedor de toda a verdade, não julgou a quem quer que fosse, apenas acolheu integralmente a todos. Não consentindo com os erros, mas permanecendo compreensivo diante das fraquezas humanas, deixou à posteridade um legado de respeito pela dignidade humana e de encorajamento para o enfrentamento dos árduos trabalhos espirituais futuros. O exemplo de Jesus revela uma maneira (que é o nosso fim) de enxergar a realidade: reconhecer  o direito do outro de ter as suas próprias experiências, e de formar, deste modo, sua própria consciência. Disso não se segue que um cristão tenha necessariamente que adotar uma atitude relativista, ou que tenha que viver o mundo com valores estranhos aos seus, mas que tenha uma postura fundamentada no respeito à dignidade, conforme referiu-se, e no livre arbítrio, que é um dos valores fundantes da nossa civilização. Claro, quando a nossa pretensa "liberdade" não desrespeite a liberdade dos outros e mesmo a dignidade e sacralidade da vida humana, que vem sendo bastante atacada nos dias de hoje por ideologias que carregam um materialismo destrutivo.
Por fim, talvez a profunda amorosidade de Jesus, com as pessoas que lhe vinham de todas as partes, se devesse pela maneira como  enxergava as pessoas para além da forma com que se apresentavam a ele. O véu da nossa precária condição atual esconde a nossa sacralidade intrínseca, o nosso pertencimento a uma ordem transcendental, a uma irmandade que foi planejada por Deus desde a criação, e que Jesus tinha acesso devido a sua alta condição espiritual. A palavra tolerância vem sendo ventilada nos dias atuais por indivíduos notadamente intolerantes. A tolerância não é um arrazoado bonito que esteja disposto em páginas livrescas, mas é uma atitude existencial que tem o dom de acalmar e iluminar os ambientes onde os valores são enunciados mas não são vividos, e que são facilmente percebidos pelas pessoas que estejam dispostas a vivê-los. Ver o outro em sua realidade profunda, como Jesus enxergava, é a única maneira de vivermos em um mundo tão pluralista sob todos os aspectos, dando aos outros o direito de ser como lhes apraz e a nós buscando ser como devemos, cada vez mais cristãos, conforme enunciou certa vez Chico Xavier.