Ora, nos deparamos agora com a intrincada questão que emerge da possibilidade de relação entre dois campos fundamentais da atividade humana. Por se tratar de uma questão perene e inconclusa como esta, devemos ter sempre em mente que esse fato se deve a própria complexidade dos objetos a serem brevemente investigados: fé e ciência são âmbitos da realidade e, portanto, da atividade humana que funcionam de acordo com regras e conceitos próprios, que podem e muitas vezes são entendidos como autossuficientes com relação as suas possibilidades e objetivos de análise.
Muito em função do desenvolvimento do processo histórico conhecido como modernidade, do qual somos todos herdeiros diretos, a ciência começou a adquirir, em um primeiro momento, a primazia sobre os mais distintos campos do conhecimento, os quais passou a explicar ainda de modo concorrente a outros tipos de saberes e, em um segundo momento, começou a adquirir um tal status superior, que seus conhecimentos, que se mostraram aptos e suficientes para transformar a realidade material, logo transformaram-se no único meio possível para o entendimento do mundo.
A contemporaneidade corresponde a um aprofundamento dessa modalidade de "desencantamento do mundo", conforme considerou de modo fidedigno Max Weber, que em sua análise sobre a sociedade moderna e sobre os padrões de racionalização que se impunham a todos, conseguiu oferecer uma chave de leitura fundamental para todos aqueles que buscariam posteriormente entender todo esse processo histórico-social.
Contudo, esse processo moderno de racionalização e mesmo as formas mais contemporâneas de rejeição à fé são incapazes de conjurar o impacto profundo que essa experiência terminante de Deus pode trazer ao ser humano. Ora, no fundo da psique humana, repousa uma religiosidade inconsciente, alertara Jung e Frankl em suas teorizações com base em rico material empírico. Diante de uma sociedade cada vez mais secularizada, pautada por uma racionalidade fria e instrumental, ainda existe um homem aberto a uma relação profunda com seu Criador. Há uma religiosidade natural que pode ser definida como um potente fluxo instintivo, uma força psíquica colossal, conforme considerou o próprio Jung.
Mas como conciliar as exigência da razão moderna com essa necessidade psíquica humana que diz respeito a expressão de sua religiosidade constitutiva? Como enfrentar o "desencantamento do mundo" sem mergulhar o homem em um encantamento forçado e distante das exigências da razão?
Como um apontamento bastante despretensioso, só a título mesmo de reflexão, poderíamos considerar que a ciência em suas conjurações é sim capaz de oferecer ao homem um retrato significativo, conquanto inconcluso e sempre carente de novas retificações, de distintos âmbitos concernentes às nossas realidades - as realidades sensíveis.
Entretanto, a percepção da unidade, da solidariedade que liga os fenômenos de que trata a ciência só pode ser alcançada de maneira imediata pela religiosidade em sua expressão natural. Ora, como enxergar o sentido, a intencionalidade por detrás de cada fenômeno no momento em que ele é perscrutado pela mente científica, se não há uma mente humana plenamente integrada em suas potencialidades naturais e, portanto, apta a estabelecer os liames e sentidos que subjazem aos fenômenos. O que a metafísica leva mais tempo para fazer, dada a sua vocação racional, a fé, ao possibilitar ao sujeito conhecedor um contato profundo com esses âmbitos da realidade que são infensos ao empirismo de matriz científica, o faz de modo imediato, lançando o homem em uma dimensão povoada por sentidos elevados, intencionalidades e mistérios.
A perspicácia da mente científica, suas conjurações, seu poder de análise, consubstanciada no modo de ser moderno, reclama poder de síntese, olhar profundo, conhecimento da realidade em si - para Kant o númeno - ou ao menos um ligeira ultrapassagem dos limites do que é tido por certo. E, nesse sentido, as faculdade religiosas, adormecidas no homem de nossos dias, reclamam por certo um atendimento. Há, enfim, uma realidade que nos espera com seus mistérios, por enquanto, indecifráveis; e talvez, como possível solução a isso, valendo-nos do expediente da alegoria, em sua relação com esse homem recalcitrante, a "realidade" diria a ele o que uma vez foi dito ao velho Sócrates: " Conhece-te a ti mesmo".