A meditação e o entrar em contato com o Eu superior através da música elevada são formas bastante producentes de enriquecer a nossa caminhada espiritual. Em um próximo post eu escreverei sobre isso. Por enquanto, aí vai algumas sugestões para as pessoas que apreciam momentos de recolhimento e meditação.O primeiro vídeo é de cantos gregorianos, embora tenham uma roupagem diferente, pois os cantos gregorianos, acredito eu, não vêm acompanhados de um arranjo musical do tipo que é apresentado no vídeo. O segundo vídeo compreende uma proposta de relaxamento e meditação oriental mediante a harmonia sonora dos sinos tibetanos. Então, acomode-se em um lugar confortável, silencie a mente, e aproveite!
quinta-feira, 20 de abril de 2017
domingo, 16 de abril de 2017
O Eu Superior
Das tantas leituras a que nos submetemos ao longo dos semestres acadêmicos, algumas nos causam estranheza, por estarem fundamentadas em um universo de significados e valores distintos dos nossos; outras tantas nos causam um certo contentamento, ao expressarem aquelas nossas intuições mais profundas que, por imaturidade espiritual e intelectual, ainda não temos condições de expressá-las. Ademais, outras tantas nos causam gratas surpresas, como é o caso da obra que irá fundamentar a reflexão desta postagem: refiro-me a um pequeno livro chamado " O Poder Do Agora", de autoria de Eckhart Tolle.
Confesso que, dada a quantidade de livros que tratam sobre espiritualidade, muitos dos quais de maneira bastante fútil e vazia, nutria alguma suspeita sobre alguns tipos de literatura. Suspeita esta que logo foi quebrada no momento em que, sem as prevenções habituais, deixei-me conduzir pela leitura, buscando me aproximar da intuição original do autor. Ou, ao menos me localizar em um estágio intermediário entre a intuição originária e a linguagem, conforme sugestão de Bergson.
O fio condutor da reflexão do autor pode ser colocado nos seguintes termos: a vivência espiritual só é genuína quando conseguimos dissolver os conflitos do passado e restringir as projeções no futuro com base no tempo presente, mediante o exercício de ordenação e hierarquização entre o Ego e o Self. Aquele é considerado como a nossa identidade mais superficial, compreendendo as maneiras de sentir e agir que são formados através do processo de socialização que inicia desde os primeiros anos até a idade adulta. O segundo elemento da psique é identificado como o Eu verdadeiro, a própria essência do Ser, um Eu profundo que, dada a fragmentação do espaço e do tempo, está em um contínuo vir-a-ser aparente.
O que o autor propõe é que, mediante certas posturas específicas, que envolvem sentir e viver de maneira intensa o tempo presente, as pessoas possam "ouvir" esse Eu superior, seus direcionamentos, sensos e percepções profundas. O self, assim considerado ,seria como que um lugar cheio de potencialidades, a espera das circunstâncias e eventos exteriores para que possa se desenvolver, comunicando seus conteúdos a essa camada superficial da consciência que o autor designa como Ego. O propósito não é tratar destes conceitos com o rigor que eles merecem e conforme são tratados na psicanálise e nas ciências psicológicas, mas apenas perceber essa diferença entre estes dois aspectos diversos da consciência, que cumprem funções distintas mas complementares em nossa psique. A ideia de um Eu profundo, superior, que esconde as potencialidades humanas é bem antiga. É uma intuição básica em grande parte da filosofia clássica e medieval e com algumas ressonâncias na filosofia moderna. Poderíamos pensar em uma relação entre esse elemento mais profundo da psique,o Self, e a própria noção de essência na filosofia. A ideia, presente em Aristóteles quando se refere à natureza, de que todas as coisas têm em si mesmas o próprio móvel do seu desenvolvimento parece bem similar a essa noção de Self trabalhada pelo autor.
Usando uma linguagem metafórica, o Self seria como que um leme a disposição do Ser em seu itinerário em um rio caudaloso. Esse rio caudaloso corresponderia às circunstâncias exteriores. Embora os eventos exteriores se coloquem a nós de maneira quase impositiva, de modo que não temos tanto controle sobre eles, temos a nossa disposição esse conjunto de sensos, percepções e potencialidades que, quando bem atualizadas, nos permitem navegar em uma rota segura de modo que o navio, que é o nosso Ser integral, não soçobre. Surge aqui a ideia de que nossa saúde espiritual, que pode ser compreendida como a boa comunicação entre o Ego e o Self, nos permite enfrentar esse "mar" de circunstâncias sem perder o rumo ou o sentido real de nossa existência, que só pode ser encontrado dentro de nós mesmos, pois, conforme Eckhart sustenta, somos possuidores desse Eu maior. Embora o sentido maior da vida pareça ser a realização dos Seres, o modo como os Seres se realizam são tão variados quanto as suas naturezas. Ao pintor, a realização estaria ligada a busca da beleza, ao sábio à sabedoria, aos homens de ciência, à busca da verdade científica, e assim por diante. A realização de cada indivíduo corresponderia, ainda, à realização do todo, como em um grande concerto do qual a harmonia da música provém da perfeita realização da vocação individual de cada instrumento.
Do Eu profundo é de onde partem as nossas intuições mais profundas sobre a vida, sobretudo as éticas e estéticas e porque não as epistêmicas. Nessa cognição intuitiva, conforme mencionamos em um post anterior, a verdade não é mais algo a ser buscado pela mente racional em um processo metódico, mas algo que simplesmente vem a tona e é sentida de maneira profunda antes mesmo de ser comunicada. Por isso tanta suspeita recaí sobre a intuição e a possibilidade de se produzir conhecimento através dela. À intuição é dada um papel bastante secundário no conhecimento, geralmente utilizada em uma fase inicial, quando a investigação carece dos necessários princípios mais gerais que fundamentam e justificam toda a busca posterior.
Um enorme conjunto de forças conflitantes fazem parte de nossa alma, nos constituem. Nessa batalha ininterrupta, neste terreno propriamente espiritual, a única certeza que temos é de que devemos estar sempre alinhados com o nosso Eu superior. Assumindo que existe uma ordem perfeita na criação, a nossa realização profunda é, em última instância, a realização do conjunto, seja a nossa família ou a nossa comunidade. Embora compartilhando uma humanidade comum, ou seja, um conjunto de atributos invariantes que podem ser identificados em todos os homens particulares, cada um de nós tem algo único para oferecer a esse mundo. Uma espécie de vocação individual que só nós podemos sustentar e afirmar. Essa vivência do Eu real talvez nos coloque em circunstâncias e caminhos diferentes da maioria das pessoas. Talvez alguns momentos de solidão sejam necessários à nossa alma até descobrir as pequenas tarefas a que foi chamada. Contudo, a vida carrega sempre a esperança em seu bojo, e da interiorização e do escrutínio de si mesmo sucede a abertura, as realizações materiais, os encontros. Estar sozinho não é estar recolhido, é estar longe de si mesmo, longe da própria realização e vocação, vivendo com a cabeça e valores alheios, enquanto que, mesmo nos momentos de recolhimento e aparente solidão que a vida nos impõe, podemos experimentar a sensação de estarmos plenos, acompanhados e guiados por nossos sensos mais profundos e, na medida em que estamos alinhados com a nossa alma, no que tem de mais profunda e nobre, estamos alinhados com os valores perenes da vida, nos realizando e, como consequência, realizando a vontade de Deus. A espiritualidade é, portanto, interiorização e abertura, escrutínio e trabalho; melodia harmoniosa que resulta da realização de cada Ser e que, ao mesmo tempo em que o distingue e torna único, o integra em um um concerto, algo de tipo novo, em que individuar-se é fazer parte, de si mesmo e do mundo.
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